terça-feira, abril 18, 2006

Thatcherismo à portuguesa

Às vezes, tenho a impressão de que a esquerda é tratada com algum paternalismo e condescendência pelos chamados arautos do pragmatismo, sejam de direita, de centro ou de coisa nenhuma, gente que olha o mundo com "realismo" e que acha que existem soluções "técnicas" para os problemas sociais, gente que desconfia da ideologia como o diabo da cruz.

É assim: as ideias de esquerda seriam uma espécie de desvio infantil da política. Tudo boas intenções, sonhos, generosidade, solidariedade, a convicção de que os homens são fundamentalmente bons. Mas, na prática, tudo isso não funciona porque os homens são primariamente maus, e quando se tenta realizar essas utopias, apenas se produzem catástrofes: défice orçamental, pouca eficiência, desperdício de recursos escassos, preguiça, oportunismo. A esquerda padeceria de uma maleita grave que consiste em não reconhecer a penúria dos recursos, a inexorabilidade das leis da chamada economia pura. Então, deposita todas as esperanças de bem-estar na distribuição discricionária da riqueza, mais do que na sua produção. O sacrifício irrisório dos ricos seria o preço justo a pagar pela reparação dos pobres.

A esquerda tenderia a exagerar os factores sistémicos dos percursos individuais, substimando, assim, o princípio da responsabilidade, segundo o qual o que se passa com cada um de nós, de bom ou de mau, deve-se, sobretudo, a nós próprios. A esquerda acusaria o sistema antes de verificar a "culpa" do indivíduo. A direita tende a dizer que o fracasso se deve essencialmente às escolhas incorrectas dos indivíduos, que desperdiçam a sorte que o nascimento ou a sociedade lhes dá ou que não conseguem superar as adversidades que a sociedade lhes levanta. O elixir da direita é o livre-arbítrio.

Tudo isto para dizer que tenho a impressão que o nosso Primeiro-Ministro (a exemplo de Margaret Thatcher nos anos 80) trata os portugueses como crianças mal comportadas que é preciso pôr na linha. Os portugueses (todos, incluindo os de direita) sofreriam de um vírus esquerdista, de uma doença infantil. Estariam (mal) habituados à protecção do salazarismo ou do Estado pós-revolucionário. Quando alguma coisa não corre bem, os cidadãos voltam-se para o Estado, como se o que recebem do Estado fosse gratuito, caído do céu aos trambolhões. Os portugueses gostariam de continuar com os seus empregozitos tranquilos, de produtividade duvidosa. Não perceberiam a ligação entre o que ganham e o que produzem. Os portugueses abominariam o esforço, a flexibilidade, a aprendizagem de coisas exóticas. Gostariam de empregos que dão saláriozitos, mas odeiam o trabalho. Gostariam de entrar às 9 (com tolerância de ponto de mais ou menos 1 hora) e de sair às 6 (com tolerância de ponto de mais ou menos 1 hora) com intervalo de 1 hora para almoço (com tolerância de ponto de mais ou menos 1 hora). Gostariam de ter muitas férias, se possivel em colónias balneares pagas pela empresa ou pelo Instituto. Gostariam de ter muitas mordomias abaixo do custo real e, se possivel, de borla. Os portugueses gostariam que os não chateassem com coisas que foram feitas para os estrangeiros, como a competitividade, a produtividade, a inovação, o estudo, a curiosidade, o esforço.

Temo que o diagnóstico de Portugal feito pelo nosso Primeiro-Ministro não ande muito longe desta caricatura. E como é uma pessoa voluntariosa e essencialmente pragmática, e como acha que tem uma missão suprema a cumprir, que é a de meter isto nos eixos, faz tudo ao seu alcance para introduzir disciplina neste imenso playground que é Portugal. E aquele ar sisudo e austero, aquela incapacidade de brincar com o que quer que seja, fazem parte da sua “Pater” postura, de resto, incondicionalmente corroborada pelo nosso novo Presidente da Republica. Temos nos dois mais altos cargos da Nação dois verdadeiros professores de escola primária “à antiga”, com régua e cana da Índia, se necessário.

Já notaram a insistência com que o nosso Primeiro-Ministro fala de responsabilidade? Adora essa palavra porque acha que, até agora, os portugueses têm sido um bando de irresponsáveis. [E quanto têm a aprender os nossos deputados que tão despudoramente fazem gazeta à custa do erário público e do dever cívico...] Mas, ele vai-lhes dar táu-táu até eles se convencerem de que “with no pain, no gain” como fazia a Senhora Thatcher que ensinou aos bárbaros ingleses o que quer dizer o desemprego e a ausência de serviços públicos. Agora, depois de terem sido tão exemplarmente punidos pelas suas traquinices, os ingleses são os campeões da flexibilidade, do mercado e da responsabilidade individual e passaram a satisfazer-se com bem pouco, desistindo até desse cúmulo do desvio esquerdista que é o sindicalismo.

Só falta mesmo os dirigentes de França aprenderem com estes exemplos para, finalmente, conduzirem os franceses à idade adulta do ameno sofrimento e da resignação.

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