sexta-feira, março 31, 2006

A pior maneira de continuar criança

Num destes dias, entrou no meu gabinete um colega com cerca de 50 anos que conheci no escritório de Roma. A minha relação com ele era cordial, mas não lhe poderia chamar amizade. Uma pessoa com quem se fala aos pingos de coisas de circunstância. Talvez, no máximo, um companheiro de almoço "en passant". A minha sumária impressão do sujeito era a de um tipo ambicioso, inteligente, bem relacionado. Tinha feito a sua pequena (ou grande) carreira (conforme as perspectivas e o padrão de medida) com alguma agilidade. Eu sabia que, recentemente, o tipo estava a enfrentar alguns problemas com o chefe. Os atritos multiplicavam-se, o chefe achava que ele não reagia com suficiente agressividade aos acontecimentos, não se assinavam tantos contratos como previsto, os objectivos não eram cumpridos. Acho que se trata simplesmente de falta de empatia, aquela centelha de cumplicidade que transforma os maiores falhanços em simples acidentes de percurso ou os mais pequenos sucessos em grandiosas realizações. O conflito entre as duas personagens agravou-se até um ponto de ruptura. As pressões aumentaram e o sujeito acabou por ser afastado do lugar, chutado para fora. Deram-lhe um outro posto, digamos, decorativo, no qual preserva a aparência do título, mas perde a substância do poder. Esta despromoção atingiu o tipo em cheio. De tal forma que optou por um esquema de reforma anticipada, isto é, permanecerá na organização apenas mais 2 ou 3 anos, findos os quais terá de partir. O que mais me impressionou nesta história foi a sua atitude quando esteve no meu gabinete a desabafar, certamente pela enésima vez, com alguém com quem não tinha assim tanta confiança, com um estranho dos problemas da sua alma, despoletados por uma coisa tão comezinha como um desentendimento com um superior hierárquico. Para ele foi como o desabar de um edifício, a derrocada de valores que o tinham sempre orientado. E então, com 50 anos, encontra-se de novo à procura de uma identidade, de objectivos, de auto-estima. A certa altura, diz-me, como se fosse uma criança a protestar contra a própria mãe: "Fui educado para vencer, para fazer uma grande carreira, para ser director e, agora, depois destes anos todos e de tanto esforço, sinto-me um falhado. Sou um falhado, não é verdade?" E eu a consolá-lo dizendo que, não senhor, que talvez já fosse tempo de descobrir que a vida vai muito para além das fontes espúrias de felicidade que lhe tinham ensinado. E ele que se afundava cada vez mais na cadeira à minha frente, criança grande e desamparada, pedindo desculpa a si mesmo, prometendo coragem, recomeços auspiciosos e atitudes ZEN.

2 comentários:

/me disse...

Por isso mesmo, digo eu, o melhor é falhar cedo, para não colocarmos o significado de vencer em algo que não o merece.

Miguel disse...

falhar pode ser construtivo, mas nunca pode ser agradável nem fixado como um objectivo

talvez aprendamos mais com os falhanços do que com os sucessos, mas ninguém é feliz falhando

o que é preciso é relativizar a importância de certos sucessos e de certos fracassos, para gerir a vida com serenidade

o maior sucesso é o de se sentir bem na própria pele