Hoje fui assistir a um concerto com obras de Händel, Mozart e Bach com música de cravo, violino e flauta. Devo dizer que rapidamente me apercebi de que "aquilo" era uma enorme seca. Na minha limitada cultura de música erudita, raramente consegui identificar as subtilezas que diferenciavam uma peça da outra. Parecia-me tudo rigorosamente igual: uma repetição exaustiva do mesmo acorde durante mais de meia hora. Se mais não fosse por boa educação e por respeito ao resto da audiência, decidi não sair. Pus o pensamento a vaguear pelos 5 cantos do mundo, fechei os olhos discretamente e passei pelas brasas. Não me consta que tenha ressonado... Pelo menos, ninguém me bateu no braço em sinal de protesto.
Tudo seguia neste ritmo tranquilo e abstracto, esperando o clamor das palmas do intervalo para me escapulir, até que reparei que, a pouca distância de mim, se encontrava um rapazinho com uns 5 ou 6 anos de idade, aspecto precocemente intelectual, cabelo louro impecavelmente penteado, que escutava aquela música com uma atenção penetrante, com um interesse espantoso. Fiquei estarrecido! Uma criança com aquela idade deveria jogar à bola, romper as calças à pancada com os amigos, comer pipocas, ver desenhos animados, sei lá mais o quê. Pois não senhor... Ali estava aquela espécie de tipo, com atitude de melómano seríssimo, extasiado com aqueles ritmos, para mim incompreensíveis e fastidiosos. Não despregava os olhos do palco, não aparentava a mínima desconcentração. Seria seguramente uma criança habituada a música clássica desde o berço, que gozava visivelmente o espectáculo.
Pois é: nos "génios" existirá pelo menos 99% de educação e de trabalho e, no máximo, 1% de genes. Somos forjados desde a infância com influências que balizam o nosso destino de uma forma mais ou menos irremediável. Não sou um defensor atávico do determinismo da educação ou das condições sociais. São conhecidos (e sobejamente propagandeados) os casos (raros) que provam o contrário. Veja-se, por exemplo, o Prof. Cavaco Silva, desgraçado filho de gasolineiro de Boliqueime. Ou o bilionário Bill Gates que começou numa garagem nos confins da Califórnia. Agora que o berço conta, lá isso conta... Como se dúvidas ainda existissem...
3 comentários:
Isso é assustador!
O que é que é assustador? O puto melómano ou o pêso do berço no percurso das pessoas?
É assustador o puto melómano.
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