A facilidade com que se propõe a energia nuclear em Portugal é comovente. Já toda a gente percebeu que será um bom negócio para alguns, o que poucos parecem querer considerar são os riscos. Os defensores da solução nuclear afirmam que as probabilidades de acontecer um desastre são extremamente reduzidas, mas, pelo caminho, escamoteiam algo decisivo: o que é que aconteceria se tudo corresse mal?A magnitude dessas implicações devia exigir cuidado. Calcular um risco de uma viagem de avião, que implica uma centena de pessoas, é diferente do que analisar as implicações da construção de uma central nuclear que, independentemente da probabilidade do desastre, envolve dezenas de milhões de pessoas.Mesmo que a central nuclear não rebente e não tenha uma fuga de radiação, há sempre a interrogação do que fazer com detritos letais que ficam activos mais de 10 mil anos. A esse respeito é interessante ver um exemplo lateral, mas significativo, da dimensão do problema: o Congresso dos Estados Unidos da América criou uma comissão para discutir o problema da sinalização dos resíduos. O objectivo do grupo era resolver o seguinte desafio: Que sinais são possíveis de inventar para que a humanidade no espaço de 10 00 anos saiba que numa determinada área existem substâncias muito perigosas. O resultado desses trabalhos foi paradigmático: os cientistas concluíram ser impossível sinalizar eficientemente estes resíduos.
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2 comentários:
o que se passa é o seguinte:
(a) o fim do petróleo está à vista (alguns especialistas consideram que dentro de 10-15 anos atinge-se o ponto máximo das reservas mundiais, isto é, a partir daí o consumo suplantará as novas descobertas de jazidas economicamente viáveis e, portanto, o esgotamento será uma questão de poucas décadas, seguindo-se uma escalada dos preços); por outro lado, à medida que o petróleo escasseia aumenta o poder e a importância estratégica dos países produtores, o que agrava as tensões políticas e militares, designadamente, no Golfo, onde se concentra uma parte substancial das reservas conhecidas; para não falar da importância crescente dos fornecimentos russos...
(b) a produção de electricidade de origem hídrica (vulgo barragens) tem as óbvias limitações da geografia e da meteorologia e também não goza de grande simpatia por parte dos "verdes", transformados em lobby poderosíssimo e nem sempre inocente
(c) as actuais energias alternativas, ditas "amigas do ambiente", como as do vento, do mar e do sol, jamais terão uma escala que as torne verdadeiros substitutos do petróleo; a Alemanha é um dos países europeus que mais tem investido nas eólicas e o seu objectivo (ambicioso) consiste em chegar a menos de 10% das necessidades totais (e os ecologistas até se queixam da poluição decorrente do impacto visual...)
(c) a pesquisa e desenvolvimento para lançar novas energias, baratas, abundantes e tecnicamente acessiveis (tais como o hidrógenio e fusão nuclear - ver, neste último caso, http://www.iter.gouv.fr/index.php?rubr=3) está ainda numa fase embrionária e resultados tecnica e economicamente credíveis são esperados apenas dentro de várias décadas; além disso, os interesses ligados ao petróleo (nomeadamente, os países árabes e as grandes companhias petrlíferas) não vêem com bons olhos esses esforços porque receiam que se lhes escape, ainda mais depressa, a sua "renda de situação"
portanto, fica o quê, a médio prazo, e em termos realistas? O nuclear convencional que é uma tecnologia bem conhecida e controlada, de utilização imediata em larga escala, relativamente barata e com riscos mínimos (apesar de a extremamente remota ocorrência de um desastre de grandes proporções ter um impacto colossal - nisso estou de acordo...); o grande problema ainda não resolvido do nuclear é a vida média longuíssima dos resíduos radioactivos e a escassez das soluções para a sua stockagem - e é essencialmente nisso que tocam os ecologistas com razão
a França talvez seja o país do mundo com maior recurso ao nuclear (mais de 70% do consumo energético) e pode gabar-se de ter a energia mais barata da Europa com as consequências positivas que isso representa para a competitividade da sua economia; dois dos campeões nacionais da França em termos industriais são precisamente a EdF (maior produtor de electricidade da Europa) e a Areva (empresa também controlada pelo Estado que fornece o combustível e as tecnologias para as centrais nucleares exploradas pela EdF); a experiência francesa talvez se possa considerar uma história feliz do nuclear que tem ultimamente inspirado a expansão de um certo consenso a favor do nuclear
neste problema não existe "first best solution"; todas as soluções serão "second best"; é preciso portanto escolher a melhor "second best" e parece que o nuclear se oferece como um óptimo "second best"
de alguma maneira ligado a este debate está o movimento de concentração no sector energético actualmente em esboço na Europa: a EoN (maior empresa eléctrica da Alemanha) quer comprar a Endesa (maior espanhola) e o governo espanhol diz "não" alegando supremos interesses nacionais; a Enel, electricista controlado pelo Governo italiano, diz que quer comprar a Suez, a qual tem produção energética na França e que controla a Electrabel (electricista belga); Berlusconi fala com Vilepin a esse respeito; a EdF e a Gaz de France podem estar a cozinhar também alguma
enfim, trata-se de uma indústria "pas tout à fait comme les autres", em que a soberania nacional joga, a justo título, um papel fundamental que se sobrepõe à pura e dura lógica económica
http://www.lemonde.fr/web/article/0,1-0@2-3232,36-744749@51-732050,0.html
http://www.lemonde.fr/web/article/0,1-0@2-3234,36-745093@51-732050,0.html
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