sexta-feira, janeiro 13, 2006

Ligações perigosas

Os acontecimentos de hoje àcerca das escutas telefónicas de várias dezenas de titulares de cargos políticos, no mais alto nível da Administração, são indubitavelmente preocupantes e revelam a dimensão da Caixa de Pandora em que se transformou o caso Casa Pia. Por trás desse processo, estão a levantar-se muitos demónios que mostram até que ponto a classe dirigente portuguesa está poluída de má-fé, de perseguição, de vingança, de métodos baixos para saldar novas ou velhas contas. E tudo, essencialmente, no interior do círculo estreito em que se movimentam PS e PSD. Estou seguro de que a verdade inteira nunca será conhecida, de que se continuará a urdir todo o tipo de armadilhas e ecrãs para esconder responsabilidades, de que se utilizará o caso para fazer intermináveis chantagens, para se demonizar a Justiça e para vender comunicação social pouco escrupulosa. O sofrimento das vítimas e os imperativos de verdade e de justiça de uma sociedade que se diz de Direito parecem quase nada em confronto com os interesses que se degladiam em contexto tão viscoso.

Outro aspecto que emerge de tudo isto é, evidentemente, a legitimidade da Justiça e da Investigação Criminal para agir com base em métodos menos ortodoxos. Que fins justificam meios tão audaciosos como as escutas telefónicas do Presidente da Républica ou do Primeiro-Ministro? De onde vem o poder do Procurador-geral da Républica e da investigação para levar tão longe as suas actividades, ao ponto de devassar a privacidade de figuras eminentes do poder eleito? Esse é o debate extremamente pertinente àcerca do alcance da independência (em relação aos orgãos democraticamente eleitos) do poder judicial e do cabimento de um controlo supra-democrático da democracia.

Não se deve pensar que estes são problemas únicos de Portugal. Ainda há pouco tempo, um escândalo idêntico (escutas telefónicas) rebentou em Itália no âmbito da investigação das ligações perigosas do Governador do Banco de Itália (António Fazio), que levou à sua demissão. E a discussão àcerca dos critérios de escolha dos Juizes, de vez em quando, aquece em França.

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