Quando era puto, ía com o meu pai à viagem. Ir à viagem significava andar de cliente em cliente, pelos sítios mais recônditos, à procura de encomendas. O meu pai tinha uma armazém de lanífícios e governava a nossa vida, vendendo tecidos a lojistas, feirantes, alfaiates, confeccionadores e outros "vestidores" de gente. Comprava aos fabricantes do Norte e vendia aos retalhistas do centro do país. Na maior parte dos casos, o meu pai não tinha só clientes: tinha amigos a quem vendia, de quem recebia e com quem partilhava umas merendas em tascas inverosímeis. Andar de terra em terra, naquela peregrinação de dever e de prazer era aprender a "escola da vida" - dizia-me o meu pai. O comércio era a linguagem com que fazia amigos, trocava opiniões, escutava sofrimentos, dava e recebia conselhos.
E fazia questão de me treinar naquelas andanças, de me mostrar todos os lados do mundo que ficava a cerca de 50 Km à volta da nossa casa: os lados sofredor e lúdico, honesto e oportunista, inocente e matreiro, egoísta e sonhador, pobre, rico e remediado, carinhoso e agressivo. Achava aquilo impiedoso. Porque, enquanto eu andava naquele mar alto do saber e do dever, os meus amigos ficavam na Praça da vila a jogar à bola e ao pião, depois da escola. Achava-me o puto mais sacrificado à superfície da Terra. Mas, hoje, sinto umas saudades imensas dos momentos de provação e de ternura que vivi ao lado do meu pai. Há coisas que se percebem só muitos anos depois. É preciso ver e viver muito para perceber o pouco (importantíssimo) que têm os valores e os sentimentos, para apreciar a carícia de um “pai tirano” aos 6 ou 7 anos de idade, as suas cocégas que me faziam quase chorar de alegria e de dor, ao mesmo tempo.
Uma vez, íamos por uma encosta pedregosa acima, de terra batida, no Fiat 850 que o meu pai tinha, à procura de um alfaiate perdido numa aldeia pobre e minúscula para os lados de Santiago da Guarda. Tinha eu, no máximo, uns 8 anos. O objectivo era vender 1,20m de sarja para umas calças de um carteiro ou 2,80m de casimira para o fato do casamento dum rapazola lá do sítio. O meu pai guiava com muita cautela para não estragar a viatura, qual jeep improvisado. Ía tão devagar que me causou impaciência. “Tenho a certeza que, a pé, chegava mais depressa ao cimo do monte”, disparei eu com desdém. Ficou calado e continuou no mesmo ritmo de tartaruga. Não satisfeito com o seu mutismo, propus que me deixasse sair para lhe provar que tinha razão. “Assim seja” disse ele, lacónico. Parou e desci do carro. Pus-me a correr encosta acima. No princípio, fiquei eufórico porque, na verdade, tinha ganho alguns metros, mas, pouco depois, vi o meu pai distanciar-se por trás de uma nuvem de poeira. Mais uma curva e fiquei sózinho naquele ermo quase lunar. Abandonado, no meio das pedras e do vento, pus-me a chorar. Estava mais sózinho do que nunca, vencido pela minha ingenuidade. Sentei-me numa pedra, com a cara entre as mãos, à espera de uma misericórdia improvável. Foi então que apareceu o Fiat 850 branco, de marcha-a-trás, para me salvar, e o meu pai a partir-se a rir, agarrando-me ao colo para me pôr dentro do carro, ao seu lado. Acho que nunca detestei e amei tanto, ao mesmo tempo, o meu pai como naquele dia.
E fazia questão de me treinar naquelas andanças, de me mostrar todos os lados do mundo que ficava a cerca de 50 Km à volta da nossa casa: os lados sofredor e lúdico, honesto e oportunista, inocente e matreiro, egoísta e sonhador, pobre, rico e remediado, carinhoso e agressivo. Achava aquilo impiedoso. Porque, enquanto eu andava naquele mar alto do saber e do dever, os meus amigos ficavam na Praça da vila a jogar à bola e ao pião, depois da escola. Achava-me o puto mais sacrificado à superfície da Terra. Mas, hoje, sinto umas saudades imensas dos momentos de provação e de ternura que vivi ao lado do meu pai. Há coisas que se percebem só muitos anos depois. É preciso ver e viver muito para perceber o pouco (importantíssimo) que têm os valores e os sentimentos, para apreciar a carícia de um “pai tirano” aos 6 ou 7 anos de idade, as suas cocégas que me faziam quase chorar de alegria e de dor, ao mesmo tempo.
Uma vez, íamos por uma encosta pedregosa acima, de terra batida, no Fiat 850 que o meu pai tinha, à procura de um alfaiate perdido numa aldeia pobre e minúscula para os lados de Santiago da Guarda. Tinha eu, no máximo, uns 8 anos. O objectivo era vender 1,20m de sarja para umas calças de um carteiro ou 2,80m de casimira para o fato do casamento dum rapazola lá do sítio. O meu pai guiava com muita cautela para não estragar a viatura, qual jeep improvisado. Ía tão devagar que me causou impaciência. “Tenho a certeza que, a pé, chegava mais depressa ao cimo do monte”, disparei eu com desdém. Ficou calado e continuou no mesmo ritmo de tartaruga. Não satisfeito com o seu mutismo, propus que me deixasse sair para lhe provar que tinha razão. “Assim seja” disse ele, lacónico. Parou e desci do carro. Pus-me a correr encosta acima. No princípio, fiquei eufórico porque, na verdade, tinha ganho alguns metros, mas, pouco depois, vi o meu pai distanciar-se por trás de uma nuvem de poeira. Mais uma curva e fiquei sózinho naquele ermo quase lunar. Abandonado, no meio das pedras e do vento, pus-me a chorar. Estava mais sózinho do que nunca, vencido pela minha ingenuidade. Sentei-me numa pedra, com a cara entre as mãos, à espera de uma misericórdia improvável. Foi então que apareceu o Fiat 850 branco, de marcha-a-trás, para me salvar, e o meu pai a partir-se a rir, agarrando-me ao colo para me pôr dentro do carro, ao seu lado. Acho que nunca detestei e amei tanto, ao mesmo tempo, o meu pai como naquele dia.
2 comentários:
essa história já me foi contada taaaaaaaaaaaaanta vez....:P
mas não com fotografia ;-)
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