quinta-feira, janeiro 26, 2006

Deus caritas est

O Papa publicou ontem a sua primeira encíclica cujo título é "Deus é Amor". Tem "só" 45 páginas e o essencial foi escrito durante as férias de Verão em Castel Gandolfo.

Diz que o sexo está bem desde que se junte ao amor a Deus. Cito: "A fé cristã sempre considerou o homem como um ser no qual espírito e matéria se interpenetram e fazem a experiência de uma nova nobreza. O Eros pretende elevar-nos em extâse em direcção ao divino, conduzir-nos para lá de nós próprios. Mas, é por isso que é necessário um caminho de ascensão, de renúncia, de purificação e de cura." E continua: "A maneira como o corpo é exaltado nos nossos dias é enganosa. O Eros reduzido a simples sexo torna-se uma mercadoria, uma simples coisa que se pode comprar e vender. Mais ainda, o próprio Homem torna-se uma mercadoria."

O Papa refuta explicitamente as teses de Nietzsche e de Marx, alemães como ele, que alimentaram o anti-cristianismo moderno e que estarão na origem da crise da fé. O primeiro, no seu livro "Para Além do Bem e do Mal", reprova o cristianismo por ter "envenenado o Eros". Marx critica a caridade porque ela dispensaria os ricos do seu dever de justiça, tranquilizando ao mesmo tempo a sua consciência. O Papa diz que a caridade não resolve os problemas sociais mas é um dever dos cristãos, faz parte da sua natureza.

Esta encíclica é menos normativa e tutelar do que as de João Paulo II e Paulo VI sobre o sexo e a moral do matrimónio. Digamos que contem um discurso mais filosófico, mais profundo e espiritual, à altura da personagem, que se destacou, durante o papado anterior, como o "ideólogo" ou teórico da Igreja.

Benedito XVI é um homem que se exprime sobretudo com a cabeça, não com o coração. Ao contrário de João Paulo II que era um guia de massas, um decisor, um inspirador de emoções, Benedito XVI é um Papa que suscita respeito, eventualmente admiração intelectual. É um racionalizador da fé, um pesquisador da lógica do cristianismo. Parece mais um filósofo do que um crente. E é exactamente esta "máquina de pensar" que escolhe como tema da sua primeira encíclica o amor, para o transformar numa interessante divagação teológico-filosófica, fazendo o confronto com referências como Nietzsche, Marx ou Santo Agostinho.

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