segunda-feira, janeiro 23, 2006

Cavaco - Sócrates: uma curiosa co-habitação

Cavaco será um aliado de Sócrates para continuar a executar as políticas restritivas necessárias para "pôr isto na ordem": cortar nas reformas, cortar nos funcionários públicos, moderar aumentos salariais, atacar os "privilégios" de médicos, professores, juizes, militares e quejandos. Ao contrário de provocar sarilho, Cavaco poderá facilitar a vida a um homem que, aliás, tem enormes semelhanças de percurso, de personalidade e de estilo. São ambos arrogantes, supostamente profissionais, autoritários, frequentemente crispados, sem sentido de humor. Odeiam a política e a discussão: preferem as decisões e as realizações a favor do "interesse nacional" que constitui, alegadamente, o supremo desígnio de ambos.

Sócrates é distante do povo que apenas tolera com alguma contrariedade mal disfarçada. Sócrates (re)sacralizou o poder, tirou-o da rua em que Santana Lopes o tinha metido. Sócrates teve de engolir os sapos da negociação interna no PS para chegar ao lugar onde pode realizar a sua missão redentora. Sócrates deve sofrer com as cedências às cliques, cortes, corporações e fidelidades que prostituem o PS.

Cavaco é uma síntese do povo profundo, do povo equilibrado, católico, bom marido e pai de família, honrado e trabalhador, o povo com a "vida organizada" (para utilizar as próprias palavras de Cavaco), o povo que já não vai em cantigas. Cavaco ganha as eleições por cima das cliques, das cortes, das corporações e das fidelidades do PSD. Cavaco conseguiu sobrepôr-se-lhes e isso dá-lhe alguma independência e grande autoridade. Cavaco conseguiu pôr esses interesses da "direita nacional" ao serviço da sua candidatura e da sua pessoa. Submeteu-os. Precisa deles, mas abomina-os. Como se dizia de Salazar... em relação aos grandes monopolistas e latifundiários que, esses sim, eram os maus da fita, porque o Dr. António Oliveira Salazar era boa pessoa e só queria o bem do país e do Império.

Cavaco pode ganhar alguma tolerância popular para as "maldades" necessárias de Sócrates, mantendo porém um distanciamento q.b.. Cavaco vai mastigar Sócrates como uma pastilha elástica : consome-lhe o açucar (bem amargo) das medidas anti-populares e deita-o fora quando a situação melhorar, colocando de novo no poder a alcateia social-democrata, concentrando pela primeira vez todos os poderes na "direita nacional". Não esquecer a comparação que Cadilhe fez de Cavaco com um eucalipto : seca tudo à sua volta… Constrói quando as condições são propícias e debanda quando aparecem as primeiras fendas no edifício.

Coitado deste bom povo: votou mais uma vez contra, não a favor de um projecto, mas contra a degradação das suas condições de vida e contra o descontentamento. Mas, curiosamente, o seu eleito pode vir a ser um instrumento eficaz de aprofundamento das razões desse mesmo descontentamento, pelo menos, a curto/médio prazo. Porque a longo prazo (supondo que alguns de nós ainda estarão vivos...) gozaremos dos frutos da actual política de privações, num reinado de leite e de mel de um Cavaco e de um cavaquismo triunfantes. Do mal que terá de ser feito no curto prazo, serão Sócrates e os socráticos os maus da fita!

1 comentário:

Alice disse...

masoquismo puro.