segunda-feira, janeiro 23, 2006

Alegre - PS - Soares

Apesar de Sócrates ter tentado esconder o sol com uma peneira na noite das eleições, é legítimo perguntar o que vai acontecer no PS, na sequência dos resultados das presidenciais? Sócrates fez o discurso habitual do poder. Está tudo bem e satisfeito. Não há crise nenhuma. Temos tudo sob controlo. Uma coisa são as presidenciais outra é o Partido e outra ainda é o governo. Vocês estão todos enganados. Deixem-se de manobras de baixa política. Queremos só é trabalhar... Deixem-nos trabalhar (já lá dizia também o Cavaco...).

Ora, na verdade, Alegre demonstrou que vai muita coisa mal no partido, que muitas pessoas não se identificam com os clãs institucionalizados dentro dele, que a subserviência a poderes novos ou velhos (como o da galáxia soarista), o caciquismo, o clientelismo, o nepotismo e outras formas de corrupção (dura ou suave) são estranhos a um partido que se auto-proclama de esquerda, mas que se tem distanciado dos valores clássicos da esquerda.

Alegre ajustou contas com Soares, com um passado longínquo e honroso que se foi corrompendo aos poucos, ao ritmo do exercício do poder pelo PS. Alegre foi a escapatória para pessoas de esquerda bem intencionadas que se fartaram dos desvios do partido. O PS não pode ignorar a mensagem enviada por mais de 1 milhão de pessoas que aderiram espontâneamente a um movimento puro e simples de cidadania e de democracia participativa. O PS tem uma oportunidade ímpar para se regenerar. Talvez tenha de mandar pela borda fora os oportunistas incorrigíveis, mas permanecerão, seguramente, os que justificam o nome do partido e que lhe restituirão personalidade e coerência.

Alegre está, de qualquer modo, ao abrigo de perseguições ou processos. Afinal de contas, "pesa" 1 milhão de cidadãos que apenas obedeceram à sua consciência. Isso reconheceu, imediatamente, Sócrates ao dizer que não haveria congresso extraordinário nem ajustes de contas internos. Alegre não vai obviamente repetir a aventura do PRD (Partido Renovador Democrático), inspirado na maioria presidencial de Eanes. Seria contraditório com a lógica da sua própria candidatura e pouco realista e auspicioso. Então o que vai Alegre fazer deste milhão de votos? A resposta é: nada! Ou melhor: a pergunta está mal endereçada. A verdadeira pergunta deve dirigir-se ao PS: o que vai o PS fazer com o milhão de votos de Alegre? E a resposta (desejável) é: aprender com os erros cometidos e transformar-se para acolher esses cidadãos que votaram Alegre nas suas fileiras. Para isso, talvez seja também necessário mudar a politica de governação no sentido de mais solidariedade e de menos rendição à lógica do mercado e do capital.

E Soares? Soares acabou. PIM! Acabou de rastos, estrebuchando num campeonato de divisão menor por não conseguir resistir à política que lhe corre nas veias e a um EGO insaciável. No fundo, compreendo Soares. Soares quis apenas lutar contra a morte, contra a sua morte, fazendo a única coisa que sabe fazer: política. Mesmo que isso tenha acarretado objectivamente um enorme prejuizo para as causas que diz defender. Este último combate de Soares foi, mais do que um combate por ideais colectivos, um combate eminentemente individual, o combate de um homem que se recusa a morrer. A justo título! E foram o que resta do seu enorme poder, a sua respeitabilidade e a sua incrível energia que o levaram a convencer tanta gente no PS de que devia ser o candidato do partido, contra ventos e marés, contra melhores candidatos, contra uma História que não precisa de mais provas para incluir o seu nome, para o melhor e para o pior do que se passou neste país nos últimos 30 ou 40 anos. Este último episódio ficou a mais. Mas, Soares não quer morrer. Para Soares, morrer é ficar em casa de pantufas e roupão a folhear albuns de fotografias. Soares foi fixe!

4 comentários:

Alexandre Carvalho disse...

Trés, trés trés bien. :)

Apenas um reparo: no 2º parágrafo fala-se de uma não-identificação partidária, de institucionalismos dentro de institucionalismos. Da parca experiência que tive, pareceu-me ser um sintoma de qualquer partido, e uma consequência directa da sua incapacidade de renovação.

Com Alegre, e com o seu milhão e 200 mil num saco atrás das costas, mostrou-me (e talvez a muita gente) de que esta doença de que os aparelhos partidários padecem, é mortal.

Miguel disse...

É verdade que todos os partidos democráticos têm sensibilidades no seu seio. Isso é saudável. Uma coisa, porém, são opiniões e ideias que se degladiam para esclarecer e aprofundar a orientação ideológica de um partido, outra coisa são sub-partidos dentro de um partido que se limita a federar interesses e ambições que têm pouco a ver com um projecto de sociedade. O PS e o PSD passam a ser uma espécie de aposta para maximizar os ganhos individuais que resultam do acesso ao poder ou da proximidade com o poder. Os empregos que se têm distribuido nas autarquias a pequenos apaniguados dos Presidente de Câmara são apenas um exemplo. Passa-se a ser do PS ou do PSD para que o Sr. Presidente simpatize com a malta e arranje um empreguito para a filha, o sobrinho, o cunhado ou a enteada... Alguém falou em esquerda ou direita, em causas ou ideias? O Bloco Central dos interesses também funciona assim ao nível local. Para não falar dos grandes vôos de "boys and girls" que chegam a chefe de gabinete, assessor, director-geral, secretário de estado ou, mesmo, presidente do conselho de administração.

Alexandre Carvalho disse...

Mas n estaremos nós a assistir À morte lenta dos aparelhos partidários? Vitórias da cidadania e da democracia que por exemplo o Alegre protagonizou fazem-me sugerir isso.

Miguel disse...

Não tenho a certeza de que estejamos a assistir ao fim dos partidos. Que os partidos tradicionais se têm de reformar parece-me, no entanto, uma evidência. Senão darão lugar a outros... De qualquer modo, a democracia encontrará formas renovadas de funcionar com uma participação mais espontânea e, talvez, local dos cidadãos, lutando por causas específicas e próximas do quotidiano das pessoas. O que falta são partidos com paradigmas que se elevem acima dos interesses mesquinhos e das traficâncias. É preciso um modelo alternativo de sociedade em que se acredite e que motive a acção colectiva. É preciso dar às pessoas um novo mapa, após a falência prática do "socialismo real" e considerando a quebra do elo social desencadeada pelo neo-liberalismo.

Uma alternativa à decadência dos aparelhos partidários convencionais, que não me agrada nada, é o recrudescimento do populismo e do extremismo e dos seus partidos (tipo Front National em França). Mas, a afirmação plena e perigosa dessa alternativa supõe uma degradação ainda mais drástica das condições de vida de amplas camadas da população e uma ainda maior descredibilização das instâncias democráticas. Ainda aí não estamos, mas para lá caminhamos...