quarta-feira, novembro 23, 2005

Pier Paolo Pasolini


Fez 30 anos no passado dia 2 de Novembro que Pier Paolo Pasolini foi encontrado morto no Idroscalo di Ostia, uma praia da costa Romana, alegadamente assassinado por um jovem com quem teria mantido uma relação sexual. Tinha 53 anos. Um tribunal de Roma decidiu, recentemente, reabrir o processo na sequência de declarações do suposto assassino que continua a reclamar a sua inocência, apontando novas pistas.

Pier Paolo foi um "monstro" da cultura italiana e europeia, um herético, maldito em todos os sentidos do termo: na vida, na arte, na política... Realizou dezenas de filmes, incluindo "Teorema", "Decameron", "Os Contos de Canterbury" e... "Saló ou os 120 Dias de Sodoma" (filme extremamente violento que esteve interdito em Itália durante muitos anos). Escreveu poesia (p. ex. "As Cinzas de Gramsci"), romance (p. ex. "Os Rapazes"), teatro, ensaios (p. ex. "Escritos Corsários"). Foi militante do Partido Comunista Italiano, do qual foi expulso em 1949, também por causa das suas tendências sexuais.

Ficou famosa a posição (obviamente!) polémica de Pier Paolo a favor dos polícias que enfrentaram os estudantes durante os tumultos de 68, alegando que aqueles estudantes eram meninos mimados, saídos de uma nova burguesia arrogante, enquanto os polícias eram filhos de gente pobre dos campos e dos subúrbios das grandes cidades que cresciam como cogumelos no pós-guerra.

Decidi transcrever o seguinte trecho (em tradução livre) de "Escritos Corsários" que me parece elucidativo do pensamento político, visionário e pós-moderno, de Pasolini. "Escritos Corsários" é uma colectânea de artigos publicados entre 1973 e 1975, essencialmente, no "Corriere della Sera". Foi publicado a título póstumo no final de 1975.

"O centralismo fascista nunca conseguiu fazer o que fez o centralismo da sociedade de consumo. O fascismo propunha um modelo, reaccionário e monumental, que, no entanto, permaneceu letra morta. As diferentes culturas particulares (camponesa, proletária, operária) continuaram a obedecer aos seus próprios modelos antigos: a repressão limitava-se a obter dos camponeses, proletários e operários uma adesão simplesmente verbal. Hoje, pelo contrário, a adesão aos modelos impostos pelo Centro é total e sem condições. Os modelos culturais reais são renegados. A abjuração é completa. Pode-se, portanto, afirmar que a "tolerância" da ideologia hedonista, defendida pelo novo poder, é a mais terrivel das repressões da história humana. Como foi possivel exercer uma tal repressão? A partir de duas revoluções no seio da organisação burguesa: a revolução das infra-estruturas e a revolução dos sistemas de informação. As estradas, a motorização, etc. passaram a unir estreitamente a periferia ao Centro, abolindo toda a distância material. Mas, a revolução dos sistemas de informação foi ainda mais radical e decisiva. Através da televisão, o Centro assimilou, no seu modelo, o país inteiro, este país que era tão diverso e rico de culturas originais. Começou uma obra de homologação, destruidora de toda a autenticidade. O Centro impôs - como eu dizia - os seus modelos: esses modelos são aqueles que convêm à nova industrialização, a qual não se contenta, apenas, com o "homem-consumidor", mas postula que as ideologias diferentes da ideologia hedonista do consumo deixaram de ter cabimento. Um hedonismo neo-laico, cego e ignorante de todos os valores humanistas, cego e estranho às ciências humanas."

Permito-me apenas relativizar um aspecto: os sistemas de informação de que fala Pasolini, actualmente, servem também para disseminar o desacordo e as alternativas aos modelos dominantes.

Para iniciar (ou continuar) uma viagem (perturbante?!) pela vida e obra de Pier Paolo Pasolini aconselho o seguinte link:

http://www.pasolini.net/

Sem comentários: