domingo, agosto 14, 2011

Economia inteira

Não há crise que resista à vontade das pessoas de manter o seu estilo de vida, as pequenas ou grandes coisas de que se faz o seu bem-estar, real ou aparente. Não há nada pior do que ver a vida a andar para trás, dar aos filhos menos do que se recebeu dos pais, regredir (ou ter a impressão de regredir) na escala social, sobretudo aos olhos de familiares, amigos, vizinhos, conhecidos e que tais. Perder conforto e privilégios, não ter recursos para manter casas, carros, férias, escolas, vestuário, hobbies, para pagar as dívidas. Não ter dinheiro para ser, parecer, fazer ou fazer de conta… Essa terrível descida aos infernos é sempre mal vivida e tem um impacto muito mais do que económico: joga com as percepções de sucesso e de fracasso, melindra a auto-estima e a serenidade, prejudica a imagem que se faz de si próprio (também baseada na imagem que se julga que os outros fazem), desestabiliza sentimentos e convicções, arruína expectativas, agrava conflitos, produz angústia, medo e insegurança.

Tudo isto vem a propósito de dois fenómenos que se estão a desenvolver e que vão ainda piorar antes de se assistir a alguma melhoria: desemprego e despromoção da classe média.

O desemprego é a maior praga das sociedades contemporâneas, não só porque representa um vergonhoso desperdício de recursos, mas também porque violenta as pessoas que dele sofrem e suas famílias também (sobretudo) no plano psicológico. E nem todos nasceram para ser empresários dinâmicos e para aproveitar as fantásticas oportunidades que podem aparecer no meio das adversidades. São os livros de management e de auto-ajuda que estão cheios de histórias de sucesso que dificilmente se encontram na realidade. Infelizmente, os manuais de instruções nestas matérias estão condenados ao fracasso!

O ataque à classe média, nomeadamente através da subida de impostos, fragiliza a sociedade e o próprio Estado, dado o aumento do descontentamento, da frustração e da conflitualidade. A classe média é um pilar de estabilidade e de prosperidade. Mas, sendo a categoria social mais numerosa e, apesar de tudo, a que ainda tem alguma margem para sofrer antes de cair na indigência, é aquela a que as autoridades recorrem para usufruir do efeito dos grandes números e gerar cortes mais amplos nas despesas e aumentos superiores das receitas.

A obsessão pelo saneamento financeiro e a sua urgência, porém, comprometem tantos outros objectivos e, em última instância, a própria eficácia do saneamento financeiro. Olha-se apenas para o lado da oferta da economia, esquecendo que, cortando nos rendimentos, se corta também na procura e portanto no produto, por conseguinte, nas receitas. Desse modo, se pode entrar numa espiral depressiva. Ao que se contra-argumenta com o facto de, neste momento, a procura relevante não ser a interna mas sim a externa, isto é, as exportações. Ao que se pode responder, no entanto, com o estado lastimável em que se encontram as economias dos principais clientes das nossas exportações (com excepção da Alemanha!). Como vários economistas dos mais díspares quadrantes têm sugerido, será necessário olhar também para o lado da procura e estimular as diferentes economias de uma forma concertada, através de mais despesa pública, rigorosamente o contrário do catecismo que tem sido propalado e aplicado. Mas, para isso é preciso coragem política e coordenação internacional para evitar fenómenos de concorrência fiscal ou cambial.

1 comentário:

Anónimo disse...

Miguel - ja leste este artigo de opiniao?

http://www.bloomberg.com/news/2011-08-29/give-marx-a-chance-to-save-the-world-economy-commentary-by-george-magnus.html

Lembro-me de termos conversas deste genero quando tinhamos 14-15 anos, mas nunca pensei ver este tipo de ideia exposto num site das cores de Bloomberg.