terça-feira, janeiro 22, 2008

Caros coitados amigos

Há indivíduos que são autênticos voyeurs da desgraça alheia. Consomem as desventuras dos outros para não terem de admitir as próprias fraquezas, para se alienarem das suas fontes de angústia. O espectáculo do sofrimento dos outros tem uma espécie de efeito tranquilizante, redentor. Pelo menos, adia o reconhecimento dos próprios problemas e defeitos. Não se trata de particular perversidade ou má educação. Trata-se, apenas, de formar uma opinião tendencialmente positiva de si próprio por contraste com o "mal" dos outros.

Preferível seria conhecer-se a si mesmo em absoluto, sem comparações, invejas ou ciúmes, enfrentar com honestidade as adversidades, falar verdade consigo mesmo. Não se colocar ao espelho dos malogrados. Não fugir dos problemas, não se esconder como as avestruzes. Não propagandear sucessos com pés de barro. Mas, isso implica um grau apreciável de integridade e de maturidade que não está ao alcance de todos.

Depois há certas "amizades" que implicam uma infinita disponibilidade para ajudar os coitados dos "nossos amigos", para os perceber, para os escutar, para os consolar, para os aconselhar. Porque só "queremos" ajudar, sem qualquer interesse ou vontade de consumo das vicissitudes de terceiros. Ajudar só... Porque sim. Porque "somos" bons e generosos, católicos, apostólicos, romanos. E "ouvimos" as pobres vítimas da desgraça até ao paroxismo. É preciso conhecer bem os detalhes. Todos os detalhes. As desavenças, todas as frases assassinas. E as traições, as sacanices, os golpes baixos, especialmente os mais coloridos e picantes, aqueles que "nos" fazem soltar um Ahhh de espanto. De regozijo? Tudo isso se passa - uff, valha-"nos" deus - somente com os outros. "Nossos amigos", naturalmente. Depois de todo esse requisitório, poder-se-à então formular correctamente um diagnóstico e propor a melhor estratégia de recuperação dos "nossos amigos". Mas, "nós" estamos sempre por fora. Por cima. Imúnes à porcaria que, infelizmente, tocou os "nossos caros amigos". E que tanto lamentamos com um sorriso maroto que nos fica por dentro, bem disfarçado.

3 comentários:

Anónimo disse...

belo texto.

muito lúcido. gostei muito

Anónimo disse...

..assim doi..miguel

Miguel disse...

a quem o dizes