terça-feira, junho 27, 2006

Matteo

Matteo recebeu a bola do lado esquerdo. Estava de costas para a baliza. Com um extraordinário pontapé de bicicleta fez um golo que fez levantar o estádio numa onda de euforia. Era o golo da vitória a poucos minutos do fim. Matteo levantou-se do relvado estranhamente apático. Caminhou lentamente, cabisbaixo, para o centro do terreno. Os companheiros de equipa apressaram-se a comemorar o feito, precipitando-se sobre ele de braços abertos. Matteo ficou abafado por essa nuvem de entusiasmo. Saiu dela com uma tristeza incompreensível, voltou à sua posição de avançado-centro e correu, por dever, os breves instantes que faltavam para o apito do árbitro.

Nos balneários, continuava triste como a noite, despindo-se, tomando duche e vestindo-se de uma forma quase mecânica, com o pensamento a vaguear sabe-se lá por onde. Os companheiros respeitavam o seu recolhimento. Conheciam o feitio de Matteo, a sua melancolia logo após o sucesso e a sua raiva perante o fracasso, a sua tenacidade para fazer esquecer, o mais brevemente possivel, uma derrota com uma exibição excepcional e uma vitória. Mas, depois de cada vitória, a história repetia-se. Matteo caia naquele ostracismo misterioso. Como se o prazer da vitória se esgotasse no preciso momento da sua realização, como se Matteo fosse insaciável por vitórias e mais vitórias que o faziam imediatamente empalidecer.

Matteo era um insatisfeito, uma pessoa incapaz de tirar da vida e da sua profissão o prazer das pequenas e das grandes coisas. Estava sempre fora da alegria que tinha perseguido com tanta pertinácia. Estava sempre num futuro que nunca vinha e fora de um presente onde recusava ser feliz. Não havia elogios que bastassem para curar essa doença. De facto, considerava-os apenas vaidade, trivialidade de fracos. Apreciá-los seria obedecer à dominação do mundo. E Matteo era um mundo à parte, um indíviduo fora do mundo, incapaz de se identificar com o que quer que fosse, sózinho, altivo e arrogante, num deserto que era só dele. Pobre Matteo.

Tudo isso se manteve inalterado até ao dia em que se apaixonou. A partir daí Matteo passou a gozar as vitórias como deve ser e a desdramatizar as derrotas. Matteo passou a ser humano e a não desdenhar da felicidade como fazem os fortes, os livres e os independentes.

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