segunda-feira, junho 12, 2006

Mais uma vez... a Pátria e a bola

Acho que tenho uma explicação para o patriotismo exacerbado (com eloquente tradução futebolística) que por aí anda. E não me digam que é assim em todos os países que participam no Mundial. Porque não é ! O fenómeno é mais generalizado e "gritante" em Portugal. Atravessa diferentes estratos sociais e todas as regiões do país (incluindo as que se situam fora do país - ou sobretudo essas...). Talvez apenas escape a essa epidemia uma certa intelectualidade pedante e sobranceira que desdenha da euforia popular e que se mete a fazer a psicanálise de tudo ou quase tudo... O patriotismo à volta da bola atinge um paroxismo que excede a imaginação do comum dos mortais. Definitivamente, acho que a "coisa" é mais "grave" em Portugal do que noutros países. E também acho que o futebol é somente uma ocasião (ou pretexto fácil) para que esse patriotismo se manifeste. Mesmo sem futebol, acho que estão reunidas todas as condições para a erupção (ou re-edição moderna) do patriotismo lusíada.

O "problema" é que durante muitos anos Portugal fechou-se, não se confrontou com o estrangeiro, não teve necessidade de marcar a sua diferença, de argumentar contra a sua inferioridade ou de exibir a sua superioridade. Portugal era apenas orgulhoso da sua solidão. A Pátria era uma espécie de dado adquirido que não precisava de contraste. Em particular desde o final dos anos 1980 (adesão à CEE em 1986), o país misturou-se com o mundo, expôs-se completamente aos desafios e às ameaças do exterior e começou a acolher cada vez mais estrangeiros dentro das suas próprias fronteiras. Isso perturbou as consciências e destruiu certezas. Começámos a comparar-nos, a querer ser melhores ou a evitar ser os piores. Começámos a duvidar da universalidade da nossa esquina e olhámos para o lado para perceber que podiamos fazer mais e melhor. Essa surpresa (por vezes, deslumbramento), porém, trouxe-nos também insegurança e intranquilidade. Espanto. Receio de não conseguir. Colocou-se-nos um problema de IDENTIDADE. E a Pátria serve para alimentar e estabilizar a identidade, para esculpir na identidade individual energias colectivas, para nos dar força para definir e enfrentar a diferença, o que nos distingue enquanto povo com um território, uma língua, um passado e uma cultura. O patriotismo difuso e triunfante é, portanto, ao mesmo tempo, uma defesa contra as ameaças da modernidade e uma arma para obter essa modernidade, digamos, "à nossa maneira", sem nos diluirmos num anonimato global e urbano em que perderíamos a alma.

E o futebol ? O que é que tem o futebol a ver com tudo isso ? O futebol realiza os sonhos do patriotismo de uma forma rápida, quase instântanea, à velocidade de um golo. A glória colectiva que dá o futebol prescinde de grandes esforços, de trabalho, de mudanças profundas. No nosso caso, em especial, dada a gravidade e complexidade das debilidades, realizar plenamente a Pátria implica sacrifícios, iniciativa, projectos, rupturas - tudo coisas mais ou menos dolorosas durante uma fase mais ou menos longa de transição. Por sua vez, o futebol são 11 rapazes musculosos e caprichosos, de pés afinados, num rectângulo relvado durante 90 minutos, a mostrar ao mundo, pelos canais da TV global, de que é feita a bravura lusitana. O futebol é "fácil, é barato e dá milhões"... e as bandeiras esvoaçam para galvanizar a malta e para (re)afirmar a nossa missão no mundo que ajudámos a descobrir.

4 comentários:

Alexandre Carvalho disse...

Então e a Argentina? O fenómeno é igual ou não? É que eu tenho ideia que eles são ainda piores que nós nesse campo... Eu lembro-me de uma falência técnica naquele país há uns 4 anos, desemprego, 50% da população no limiar da pobreza ou abaixo dela, conflitos na rua mas quando começou o Mundial da Coreia ficou tudo vidrado naqueles rectângulos mágicos em casa e nos pubs...

Alexandre Carvalho disse...

E já agora, a Argentina é a par da Holanda e claro, Portugal a minha selecção preferida. Aidna nutro especial apreço pela Squadra Azzurra...

Miguel disse...

Bem, talvez tenhas razão: parece que hoje 1 milhão e meio de pessoas encheram as ruas de Seul para festejar a vitória da Coreia por 2-1 contra o Togo; não quero imaginar o que poderia suceder se ganhassem o campeonato...

Portugueses: estais perdoados... Sois absolutamente normais, talvez até meio tristonhos e descoloridos...

Alice disse...

eu acho que nós, portugueses, sofremos de mania da perseguição... até nas queixas que fazemos de nós próprios! Pelos vistos não somos os únicos, se bem que isso também não é desculpa para certas manifestações ridículas de patriotismos "futebolísticos"...