Acho que tenho uma explicação para o patriotismo exacerbado (com eloquente tradução futebolística) que por aí anda. E não me digam que é assim em todos os países que participam no Mundial. Porque não é ! O fenómeno é mais generalizado e "gritante" em Portugal. Atravessa diferentes estratos sociais e todas as regiões do país (incluindo as que se situam fora do país - ou sobretudo essas...). Talvez apenas escape a essa epidemia uma certa intelectualidade pedante e sobranceira que desdenha da euforia popular e que se mete a fazer a psicanálise de tudo ou quase tudo... O patriotismo à volta da bola atinge um paroxismo que excede a imaginação do comum dos mortais. Definitivamente, acho que a "coisa" é mais "grave" em Portugal do que noutros países. E também acho que o futebol é somente uma ocasião (ou pretexto fácil) para que esse patriotismo se manifeste. Mesmo sem futebol, acho que estão reunidas todas as condições para a erupção (ou re-edição moderna) do patriotismo lusíada.
O "problema" é que durante muitos anos Portugal fechou-se, não se confrontou com o estrangeiro, não teve necessidade de marcar a sua diferença, de argumentar contra a sua inferioridade ou de exibir a sua superioridade. Portugal era apenas orgulhoso da sua solidão. A Pátria era uma espécie de dado adquirido que não precisava de contraste. Em particular desde o final dos anos 1980 (adesão à CEE em 1986), o país misturou-se com o mundo, expôs-se completamente aos desafios e às ameaças do exterior e começou a acolher cada vez mais estrangeiros dentro das suas próprias fronteiras. Isso perturbou as consciências e destruiu certezas. Começámos a comparar-nos, a querer ser melhores ou a evitar ser os piores. Começámos a duvidar da universalidade da nossa esquina e olhámos para o lado para perceber que podiamos fazer mais e melhor. Essa surpresa (por vezes, deslumbramento), porém, trouxe-nos também insegurança e intranquilidade. Espanto. Receio de não conseguir. Colocou-se-nos um problema de IDENTIDADE. E a Pátria serve para alimentar e estabilizar a identidade, para esculpir na identidade individual energias colectivas, para nos dar força para definir e enfrentar a diferença, o que nos distingue enquanto povo com um território, uma língua, um passado e uma cultura. O patriotismo difuso e triunfante é, portanto, ao mesmo tempo, uma defesa contra as ameaças da modernidade e uma arma para obter essa modernidade, digamos, "à nossa maneira", sem nos diluirmos num anonimato global e urbano em que perderíamos a alma.
E o futebol ? O que é que tem o futebol a ver com tudo isso ? O futebol realiza os sonhos do patriotismo de uma forma rápida, quase instântanea, à velocidade de um golo. A glória colectiva que dá o futebol prescinde de grandes esforços, de trabalho, de mudanças profundas. No nosso caso, em especial, dada a gravidade e complexidade das debilidades, realizar plenamente a Pátria implica sacrifícios, iniciativa, projectos, rupturas - tudo coisas mais ou menos dolorosas durante uma fase mais ou menos longa de transição. Por sua vez, o futebol são 11 rapazes musculosos e caprichosos, de pés afinados, num rectângulo relvado durante 90 minutos, a mostrar ao mundo, pelos canais da TV global, de que é feita a bravura lusitana. O futebol é "fácil, é barato e dá milhões"... e as bandeiras esvoaçam para galvanizar a malta e para (re)afirmar a nossa missão no mundo que ajudámos a descobrir.
4 comentários:
Então e a Argentina? O fenómeno é igual ou não? É que eu tenho ideia que eles são ainda piores que nós nesse campo... Eu lembro-me de uma falência técnica naquele país há uns 4 anos, desemprego, 50% da população no limiar da pobreza ou abaixo dela, conflitos na rua mas quando começou o Mundial da Coreia ficou tudo vidrado naqueles rectângulos mágicos em casa e nos pubs...
E já agora, a Argentina é a par da Holanda e claro, Portugal a minha selecção preferida. Aidna nutro especial apreço pela Squadra Azzurra...
Bem, talvez tenhas razão: parece que hoje 1 milhão e meio de pessoas encheram as ruas de Seul para festejar a vitória da Coreia por 2-1 contra o Togo; não quero imaginar o que poderia suceder se ganhassem o campeonato...
Portugueses: estais perdoados... Sois absolutamente normais, talvez até meio tristonhos e descoloridos...
eu acho que nós, portugueses, sofremos de mania da perseguição... até nas queixas que fazemos de nós próprios! Pelos vistos não somos os únicos, se bem que isso também não é desculpa para certas manifestações ridículas de patriotismos "futebolísticos"...
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